quarta-feira, 24 de junho de 2015

Caminho de Santiago, uma metáfora da vida?


 O Caminho de Santiago pode ser considerado uma metáfora da vida.

Pelos desafios físicos e psicológicos, pelas expectativas e surpresas, pelas possibilidades de plenitude e leveza, pelas oscilações do humor e do belo e do feio...

Sombra e luz!

Isso envolve sairmos da segurança da família e da rotina e atribuirmos um sentido à caminhada. Cada um é responsável pelas próprias escolhas.

 A incerteza está sempre presente, não se sabe se a previsão de paradas e dormidas vai se cumprir, se o morro acaba antes do fôlego, se o albergue à frente tem acomodações suficientes, se a beleza da paisagem vai se transformar numa aridez do asfalto com sol a pino,  ou ainda se o cara com aparência de mal humorado vai se transformar no melhor companheiro da jornada.

Se algo nos incomoda, como uma dor no joelho ou uma pequena ferida no dedo do pé, atenção! Temos que tratar de conter isso rapidamente porque, se negligenciarmos o fato, logo logo o problema será bem maior. Isso corresponde aos pequenos "sapos" que engolimos a cada dia, a uma tarefa desagradável que ficamos procrastinando assim como  aos relacionamentos que insistimos em manter, apesar das reiteradas "pedras nos sapatos".

A cada 100 ou 200 metros encontramos as famosas setas amarelas dando o rumo certo para Santiago. Ás vezes esses sinais são quase imperceptíveis, e até inexistentes, daí porque precisamos estar continuamente sintonizados com os detalhes das trilhas para não nos desviarmos do caminho. Em outras palavras, no aqui e agora.  E quando isso acontece, nos metemos  em variantes de 2 kms ou mais que atrasam desnecessariamente a caminhada. Mas vale a aprendizagem.  E nesse descaminho podemos até encontrar "casualmente" uma paisagem espetacular que antes não suspeitávamos. Ou encontrar um morador do local que nos traz uma bela lembrança de um avô querido, após nos oferecer generosamente um suco de uva.

 Um dica preciosa: deixar que o caminho seja uma trilha e não um trilho. Usando a intuição pra fazer escolhas com base em sinais apenas subjetivos. Por exemplo, se permitindo escolher uma pequena vila sem glamour e encontrar um precioso sítio celta quase intocado.

O desapego é inevitável. Aqui as semelhanças com a nossa vida urbana já se perdem, infelizmente. As coisas materiais, básicas, mostram-se mais do que suficientes e muitas vezes são compartilhadas com alguém até então estranho nas paradas para lanche e descanso. E não fazem a menor falta.

Desapego também com as pessoas que vêm e vão marcando os nossos passos nessa "viagem de trem", como na conhecida parábola. Aliás, os encontros com os caminhantes foram o ponto alto da experiência, deixando ótimas lembranças. Às vezes essas lembranças não são exatamente agradáveis,  a exemplo de um vizinho de beliche no albergue que não nos deixou dormir numa malfadada sinfonia de sons desarticulados, seguida de cheiros inimagináveis...

Porém, quando caminhamos junto à natureza a liberdade é enorme e a meditação vem de forma natural, turbinada pelas endorfinas liberadas pelo esforço físico.

E descobrimos, quando chegamos finalmente a Santiago, que não existe propriamente  um fim mas apenas um recomeço de nova jornada. Como na vida.

Em resumo, apenas aceitando o fluxo da jornada, como deve ser!

Antes de finalizar este Post, transcrevo a seguir uma bela mensagem com muita sensibilidade e profundidade que recebi de uma pessoa querida, que assino embaixo:

" O caminho é cheio de cores, sabores, sons, toques, cheiros. Alguns vêm até a gente, outros precisamos ir até eles. Observe. Pare, olhe, escute. Avançar ou desviar no caminho? Parar nunca, ou talvez? Ritmo. Percepção, intuição para as escolhas. Tudo é aprendizado. A busca não para, por isso o caminho é que vale. Pessoas vêm e trazem, pessoas vão e levam, pessoas ficam e compartilham. O corpo às vezes sente dor, cansa... descansa. Outras vezes se alivia, dá prazer! Força física, força de espírito. Alimento. Respiração. Coração batendo. Coração tocando. Valor humano.
Oscilação. Permanência.
Silêncio.
Paz, amor, alegria!"

10 comentários:

  1. Parabéns, Arnaldo, pela jornada e pelo relato!

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  2. Seu relato traz muita inspiracão, caro amigo, mesmo para quem não pretende fazer o "caminho". Parabéns.

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    1. Querido amigo, o Caminho de fato é muito inspirador!

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    2. Querido amigo, o Caminho de fato é muito inspirador!

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  3. Parabéns Arnaldo. Muito coerente e reflexivo seu relato. abraço. Evaldo.

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    1. Legal, Evaldo, grato a você que é quase um especialista no Caminho!

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    2. Legal, Evaldo, grato a você que é quase um especialista no Caminho!

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  4. Nossa Arnaldo, inspirador...me transporte ao Caminho mesmo sem ainda ter ido lá...gracias. Um abraço fraterno

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  5. Primo, parabéns, você é único, grande abraço.

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