Caso 4/4
A notícia foi simplesmente devastadora para Cristina!
Não podia acreditar no que estava ouvindo de uma velha amiga:
" ... Cris, sabe o Rodolfo? Não resistiu a um infarto fulminante e morreu na semana passada. Estava na fazenda da família e não deu tempo nem de chegar ao hospital ".
Rodolfo foi a paixão platônica desde a infância e por toda a vida de Cristina. Sua simples existência a fazia acreditar na vida, no amor e até no sentido maior da existência.
Parece demais, não? Ainda mais nos dias que correm...
Mas para Cristina, uma senhorinha de 75 anos que havia se traído a vida toda, era exatamente assim!
Nascida numa pequena cidade do interior do Espírito Santo, numa família tradicional e puritana, Cristina foi a penúltima filha entre 9 irmãos. Nunca se sentia vista, amada nem valorizada nas suas ligações parentais.
A única conexão afetiva mais forte de Cristina era com a sua avó materna, cuja morte precoce lhe trouxe um sentimento profundo de desamparo existencial e aumento do desamor próprio.
Sempre muito carente, física e emocionalmente, a ponto de ter sufocado em segredo por toda a sua vida um desmesurado amor por Rodolfo a partir do fatídico dia em que o seu pai decretou quase aos gritos : "esse cabloco não é pra você e não o quero nem perto da família. Pare com esse seu jeitinho de moça-puta".
Isso porque havia sido flagrada duas vezes conversando furtivamente com Rodolfo após a missa dominical.
Imagine se o seu pai soubesse que eles tinham algumas vezes se encontrado às escondidas, arriscando beijos e abraços com direito a juras de amor eterno?
Um encontro de almas gêmeas, assim ela acreditava!
Pronto, a obediência cega àquele mandamento paterno e aos desdobramentos que se sucederam nortearam toda a vida de Cristina: "não às intuições, não aos desejos, não aos sonhos, não às oportunidade, não às transgressões".
Foi a sua primeira e mais séria traição!
TRAIÇÃO à própria alma, uma traição maiúscula que fundamentou os alicerces de submissão e negação aos seus principais anseios por toda a vida.
Bem verdade que se casou -- diga-se de passagem, por conveniência e com um homem mais velho referenciado pela família -- teve 7 filhos e seguiu a tradição familiar de boa mãe e esposa submissa.
Uma sucessão de traições!
Rodolfo também se casou mas isso surpreendentemente não lhe trouxe ciúmes ou tristeza. Ele continuava a ser o arquétipo do amor verdadeiro, do encontro espiritual que não chegara a ter mas que povoava sua imaginação.
Buscou viver com a harmonia possível numa vida sem prazeres e emoções, mantendo por décadas o seu segredo de "amante secreta" do Rodolfo.
Mas durante anos a simples lembrança da existência de Rodolfo a ligava com a remota possibilidade de acreditar que existia vida em plenitude. Por vezes, ao retornar de férias à sua cidade, via o Rodolfo de longe e trocavam rápidos e comprometedores olhares, mas suficientes para manter a chama amorosa acesa.
Um dia, quem sabe?
Mas, agora, com a notícia da morte de Rodolfo, Cristina não resistiu...
Chorou copiosamente e pela primeira vez revelou a alguém toda a sua história de renúncias e submissão. A amiga ficou estarrecida, ofereceu o ombro compassivo mas não conseguiu nada verbalizar.
Quando Cristina finalmente voltou para casa, triste e desalentada, deu uma resposta evasiva quando inquirida pela sua cara de choro.
E continuou a se trair...
"Acho que foi melhor assim", racionalizou!
☆ Baseado em histórias reais com recheios de ficção.
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